1. Introdução
Na primeira parte deste estudo, exploramos a origem da teoria da probabilidade e revisamos as contribuições de pioneiros como Pascal, Fermat e Huygens. Eles estabeleceram os alicerces sobre os quais muitos outros construiriam, levando a teoria da probabilidade do reino dos jogos de azar para o centro das decisões científicas, econômicas e filosóficas.
Nesta segunda parte do estudo, vamos mergulhar nas obras e legados de pensadores que deram continuidade a essa jornada, cada um trazendo perspectivas únicas para a gestão de riscos. Bill Gore, cuja abordagem influenciou o mundo corporativo moderno; Andrey Kolmogorov, que solidificou os fundamentos matemáticos da probabilidade; Daniel Kahneman e Amos Tversky, cujas pesquisas sobre economia comportamental reformularam nossa compreensão das decisões humanas sob incerteza; Ulrich Beck, que nos apresentou à "Sociedade de Risco"; John Allen Paulos, um defensor da alfabetização matemática e crítico da inumeracia; e, finalmente, Nassim Nicholas Taleb, que popularizou o conceito de "Cisnes Negros" e destacou a importância da antifragilidade em sistemas. Juntos, esses pensadores expandiram e aprofundaram nossa compreensão dos riscos e de como gerenciá-los em um mundo cada vez mais complexo e interconectado.
Ao longo deste estudo, trazemos vários exemplos práticos que ajudam a ilustrar e materializar o conhecimento teórico. Esses exemplos não apenas enriquecem nossa compreensão, mas também demonstram a aplicação tangível das ideias destes pensadores na vida cotidiana, nos negócios e na sociedade como um todo, pontuando a relevância prática da teoria na gestão de riscos do mundo real
2. Pensadores contemporâneos e modernização da gestão de riscos
Nesta era contemporânea, marcada por revoluções tecnológicas e complexidades sem precedentes, a gestão de riscos evoluiu, exigindo novas abordagens. Diferentemente da era clássica, que se focava em certezas matemáticas, os pensadores modernos exploraram incertezas, vieses cognitivos e riscos globais, introduzindo conceitos como "cisnes negros" e a dinâmica da nossa "sociedade de risco". Suas contribuições destacam a importância da adaptabilidade e de um olhar crítico para enfrentar os desafios do século XXI.
Ao estudar as contribuições destes visionários modernos, não apenas aprenderemos sobre as ferramentas e métodos atualizados de avaliação e gestão de riscos, mas também sobre a evolução da própria natureza do risco em um mundo cada vez mais complexo e interdependente.
2.1. Bill Gore (1912-1986) - Um inovador na cultura organizacional e gestão de riscos
Bill Gore é mais frequentemente associado à inovação em materiais, sendo o fundador da W.L. Gore & Associates, a empresa por trás do revolucionário material impermeável e respirável conhecido como Gore-Tex. No entanto, seu legado vai muito além do desenvolvimento de materiais. Bill Gore foi um pioneiro em criar uma cultura organizacional única, que foi fundamental para a gestão de riscos em ambientes corporativos. Alguns exemplos:
Princípio da Linha d'Água - Bill Gore
O Princípio da Linha d'Água: A Tolerância ao Risco segundo Bill Gore
O engenheiro e empresário americano Wilbert L. "Bill" Gore, não apenas inovou no desenvolvimento de produtos como os tecidos Gore-Tex, mas também em suas abordagens de gestão de riscos no ambiente de trabalho. Um dos conceitos mais notáveis que ele introduziu é o "Princípio da Linha d'Água".
A ideia por trás desse princípio é comparar o nível de risco aceitável à linha d'água de um barco:
O Princípio da Linha d'Água representa uma mudança do modelo de gestão top-down tradicional para um mais orientado à equipe. Ao invés de centralizar todas as decisões no topo, ele encoraja a distribuição da tomada de decisão. A aplicação desse Princípio pode ajudar também a evitar o micromanagement, que muitas vezes é prejudicial ao moral e à produtividade. Ao dar mais autonomia à equipe, eles se sentem mais empoderados e responsáveis por suas decisões.
Jim Collins, consultor de negócios, ao comentar sobre Bill Gore e seu Princípio da Linha d'Água, sugeriu que, ao tomar decisões arriscadas, especialmente diante de dados ambíguos ou conflitantes, deve-se perguntar:
O Princípio da Linha d'Água não é apenas uma ferramenta de gestão de riscos, mas também encoraja a experimentação prudente. Ele propõe que a verdadeira inovação aconteça quando podemos conscientemente avaliar e aceitar riscos, garantindo sempre que o "barco" continue navegando, mesmo diante de adversidades.
A análise e redução de riscos devem estar no cerne de qualquer processo intelectual. Lideranças e equipes devem estar sempre cientes dos riscos que têm o potencial de "afundar o barco" e daqueles que, embora possam causar danos, são sobrevivíveis e oferecem oportunidades valiosas de aprendizado.
À medida que entramos nesta nova era de pensadores, encontramo-nos em um período pós-revolução industrial, uma época moderna, na qual a sociedade está estruturada em torno de organizações e empresas, e não mais dominada por reinos, feudos e territórios. A complexidade e interconexão dos sistemas modernos exigem uma abordagem de gestão de riscos que incorpore a colaboração e o compartilhamento de responsabilidades entre todos os envolvidos. Essa distribuição coletiva de riscos fortalece a resiliência das organizações e ajuda a minimizar incertezas.
Bill Gore, embora não tradicionalmente reconhecido como um "pensador de gestão de riscos", emerge como uma figura emblemática desse novo cenário. Ele introduziu uma abordagem revolucionária à cultura organizacional, enfatizando uma tomada de decisão descentralizada. Esta estratégia não apenas empoderou os indivíduos, mas também instigou um senso de responsabilidade coletiva. Gore entendeu que, em um ambiente corporativo, gerenciar riscos de maneira eficaz significava confiar e capacitar cada membro da equipe.
Em uma sociedade onde a adaptabilidade se tornou mais do que uma vantagem - uma necessidade - a visão de Bill Gore sobre gestão de riscos se destaca como um guia valioso, lembrando-nos da importância do equilíbrio entre autonomia individual e responsabilidade coletiva em um mundo corporativo moderno e interconectado.
Nota ao leitor: Ao longo desta exploração histórica, da mesma forma que fizemos na primeira parte do estudo, apresentamos casos fictícios para ilustrar a aplicação prática das contribuições desses renomados pensadores. Estes cenários proporcionam uma contextualização de como suas descobertas e inovações poderiam ter sido usadas no cotidiano da época e como, de formas adaptadas, continuam a influenciar nossas práticas atuais. A ideia é sair da teoria pura e visualizar o impacto tangível dessas ideias no dia a dia de pessoas e negócios, tanto no passado quanto no presente. Na primeira parte do estudo, tivemos "12 casos exemplos", por isso, iniciaremos no número 13.
Caso exemplo 13: Aplicação do Princípio da Linha d'Água na startup tech “CloudSafe”
Contexto: A “CloudSafe” é uma startup emergente no setor de tecnologia que oferece soluções de armazenamento em nuvem para pequenas e médias empresas. Fundada por três engenheiros jovens e ambiciosos, a empresa cresceu rapidamente, acumulando uma base de clientes considerável em apenas dois anos. Com o rápido crescimento, vieram desafios associados à tomada de decisões, à gestão de riscos e à manutenção de uma cultura corporativa positiva.
Problema: Enquanto a empresa crescia, começaram a surgir tensões dentro das equipes devido a falhas de comunicação e micromanagement. Decisões muitas vezes eram tomadas sem considerar adequadamente os riscos envolvidos. Um exemplo notável foi a decisão apressada de lançar uma nova funcionalidade sem testes adequados, resultando em problemas de segurança de dados para alguns clientes.
Além disso, a equipe técnica sentia que não tinha autonomia suficiente para tomar decisões importantes, enquanto a liderança estava preocupada com a possibilidade de decisões mal-informadas que pudessem comprometer a integridade da empresa.
Solução: Inspirada pelo legado de Bill Gore e pelo Princípio da Linha d'Água, a CEO da “CloudSafe”, Dra. Lívia Fernandes, decidiu implementar este modelo de gestão de riscos na empresa.
Ela começou realizando workshops para educar toda a equipe sobre o Princípio da Linha d'Água. Cada departamento, em seguida, identificou quais decisões caíam acima da "linha d'água" (decisões que, se erradas, poderiam ser facilmente corrigidas sem consequências graves) e quais caíam abaixo (decisões com potencial de causar danos significativos à empresa ou aos clientes).
Decisões acima da linha d'água foram delegadas às respectivas equipes, dando-lhes maior autonomia. Para decisões abaixo da linha d'água, um processo mais estruturado de revisão e aprovação foi estabelecido, envolvendo discussões interdepartamentais e validações da alta liderança.
Resultado: Com a implementação do Princípio da Linha d'Água, a “CloudSafe” experimentou uma transformação positiva em sua cultura corporativa. A confiança entre a liderança e as equipes aumentou, as tensões diminuíram e a colaboração interdepartamental se intensificou.
Os erros de comunicação que antes levavam a decisões apressadas e mal-informadas foram substancialmente reduzidos. Em apenas seis meses, a empresa viu uma queda de 30% em incidentes relacionados a falhas na tomada de decisões.
Mais importante ainda, a satisfação dos funcionários aumentou, com muitos citando o sentimento de autonomia e confiança como fatores-chave para sua satisfação no trabalho. Isso, por sua vez, levou a um aumento na retenção de talentos e a uma melhor reputação no mercado, permitindo que a “CloudSafe” continuasse sua trajetória de crescimento de forma mais sustentável e resiliente.
2.2. Andrey Kolmogorov (1903 – 1987)
Andrey Nikolaevich Kolmogorov foi uma das mentes mais brilhantes do século 20 no campo da matemática e é mais conhecido por sua contribuição fundamental à teoria das probabilidades. Nascido em Tambov, Rússia, ele estabeleceu as bases sólidas da teoria moderna da probabilidade, tornando-a uma parte integral da matemática com conexões profundas e amplas em praticamente todas as suas áreas.
Teoria das Probabilidades
Kolmogorov é mais reconhecido por seu trabalho em 1933, "Foundations of the Theory of Probability" (Teoria Axiomática da Probabilidade), onde ele estabeleceu as bases para uma teoria rigorosa e sistemática da probabilidade. Esta abordagem permitiu que matemáticos e estatísticos avaliassem e analisassem eventos com incerteza e variação, criando um quadro lógico e coerente para o estudo das probabilidades. Nesse trabalho, ele apresentou um conjunto de axiomas matemáticos que forneciam uma estrutura formal para a teoria da probabilidade. Os axiomas de Kolmogorov são três princípios fundamentais que descrevem as propriedades básicas da probabilidade. Esses axiomas são:
1. Axioma da não-negatividade: A probabilidade de um evento é um número não-negativo. Para qualquer evento A, a probabilidade P(A) é maior ou igual a zero;
2. Axioma da aditividade: Se A e B são eventos mutuamente exclusivos (ou seja, não podem ocorrer simultaneamente), então a probabilidade da união desses eventos é igual à soma das probabilidades individuais. P(A ∪ B) = P(A) + P(B); e
3. Axioma da normalização: A probabilidade do espaço amostral completo (o conjunto de todos os resultados possíveis) é igual a um. P(S) = 1, onde S é o espaço amostral.
Esses axiomas estabelecem uma base matemática sólida para a teoria da probabilidade, permitindo a formulação de teoremas e a dedução de resultados probabilísticos de maneira rigorosa.
A abordagem científica e metódica de Kolmogorov à probabilidade proporcionou uma compreensão mais profunda e rigorosa do conceito de risco. Ao fornecer ferramentas para quantificar e modelar incertezas, ele indiretamente influenciou a forma como os riscos são compreendidos, analisados e gerenciados nas organizações modernas. Seja no mundo financeiro, onde os modelos de risco desempenham um papel crucial, ou em outras indústrias, onde a tomada de decisão baseada em dados se tornou a norma, o legado de Kolmogorov é inegavelmente presente.
Assim, enquanto Kolmogorov pode não ser imediatamente associado ao título de "pensador de gestão de riscos", sua influência subjacente permeia muitos dos conceitos e ferramentas que hoje são padrão na análise e gestão de riscos.
Caso exemplo 14: O impacto de Kolmogorov na predição e gestão de riscos na indústria de energia
Contexto: A indústria de energia, especialmente a de petróleo e gás, é conhecida por ser altamente volátil e repleta de incertezas, desde a exploração até a distribuição. As variações nos preços do petróleo, as mudanças geopolíticas, os desastres naturais e os avanços tecnológicos podem causar flutuações significativas na oferta e demanda.
Problema: Uma grande empresa multinacional de petróleo e gás, a PetroTech Global, estava enfrentando desafios na previsão de sua produção e na determinação de onde investir seus recursos para futuras explorações. A natureza incerta das reservas de petróleo, combinada com a variabilidade dos preços do mercado e os potenciais riscos geopolíticos, tornava extremamente desafiador para a empresa tomar decisões informadas.
Solução: Inspirados pela obra de Andrey Kolmogorov, os analistas da PetroTech Global adotaram uma abordagem baseada na teoria moderna da probabilidade para modelar suas incertezas. Utilizando processos estocásticos, em particular as cadeias de Markov, eles conseguiram modelar a produção de petróleo com base em diferentes cenários, levando em consideração a probabilidade de diferentes eventos, como desastres naturais, mudanças políticas ou descobertas de novas reservas.
Além disso, com o legado de Kolmogorov em complexidade e algoritmos, a empresa desenvolveu simulações computacionais avançadas para prever a demanda futura, os preços e os potenciais pontos de estrangulamento na distribuição. Essas simulações foram alimentadas por enormes conjuntos de dados coletados de fontes globais, e algoritmos foram usados para otimizar a produção e distribuição com base nos resultados previstos.
Resultado: A PetroTech Global, equipada com ferramentas e modelos matemáticos avançados inspirados na obra de Kolmogorov, conseguiu não apenas melhorar significativamente suas previsões, mas também otimizar suas operações. A empresa foi capaz de reduzir custos, minimizando a exploração em áreas de baixo rendimento, e ao mesmo tempo, focar em regiões com alta probabilidade de sucesso. Além disso, com uma melhor compreensão dos riscos potenciais, a empresa pôde adotar estratégias de mitigação mais eficazes, levando a uma operação global mais robusta e resiliente. Em termos financeiros, isso se traduziu em economias de bilhões de dólares e um melhor posicionamento no mercado global de energia.
Referência: European Mathematical Society - Newsletter September 2003
2.3. Daniel Kahneman (1934)
Daniel Kahneman, psicólogo israelense-americano, é uma das figuras mais influentes quando se trata de entender o processo de tomada de decisão humana. A sua colaboração com Amos Tversky levou a importantes descobertas no campo da economia comportamental, mesclando princípios da psicologia com a economia tradicional.
Kahneman e Tversky introduziram a ideia de heurísticas - atalhos mentais que as pessoas usam ao tomar decisões - e como esses atalhos podem levar a vieses sistemáticos. O seu trabalho mais famoso, a "Teoria das Perspectivas", desafia a noção tradicional de que os seres humanos são agentes racionais. Ao contrário, eles argumentaram que as pessoas frequentemente tomam decisões com base em vieses cognitivos, emoções e heurísticas, mesmo quando essas decisões parecem irracionais a partir de uma perspectiva puramente econômica.
Especificamente para a gestão de riscos, as contribuições de Kahneman têm implicações profundas. Ele ajudou a identificar uma série de vieses cognitivos, como o viés de confirmação, o excesso de confiança e a aversão à perda, que podem influenciar a forma como os riscos são percebidos e gerenciados. Entender e estar ciente desses vieses é crucial para qualquer profissional que lida com avaliação e gestão de riscos.
Viés de Confirmação
O viés de confirmação é a tendência de procurar, interpretar e lembrar informações de uma maneira que confirme nossas crenças ou hipóteses prévias. É particularmente perigoso na gestão de riscos, pois pode levar a decisões baseadas em informações seletivas, em vez de uma análise abrangente.
Exemplo 1 na Gestão de Riscos: Suponha que um gestor de investimentos acredite que uma determinada indústria está prestes a experimentar um crescimento significativo. Ele pode, inconscientemente, pesquisar e dar mais atenção a informações que confirmem essa crença, ignorando dados ou tendências que possam indicar o contrário. Como resultado, ele pode subestimar os riscos associados a investir nessa indústria.
Excesso de Confiança
Este viés refere-se à tendência que temos de superestimar nossa própria habilidade, conhecimento ou controle sobre uma situação. Em gestão de riscos, pode levar à subestimação de riscos potenciais porque acreditamos demais em nossa própria capacidade de prever ou controlar resultados.
Exemplo 2 na Gestão de Riscos: Uma empresa instala um sistema de câmeras de segurança de última geração em suas instalações. O gerente de segurança, orgulhoso do novo sistema, acredita que agora o escritório está seguro contra invasões ou furtos. Essa confiança excessiva faz com que ele negligencie outras medidas de segurança fundamentais, como rondas regulares ou verificação de alarmes de presença. Um intruso, notando essas lacunas, pode então explorá-las para ganhar acesso não autorizado.
Aversão à Perda
A aversão à perda descreve a tendência humana de preferir evitar perdas em vez de obter ganhos equivalentes. Em outras palavras, a dor de perder algo é psicologicamente cerca de duas vezes mais potente do que o prazer de ganhar algo de valor similar. Isso pode influenciar decisões, levando as pessoas a tomar riscos desnecessários para evitar uma perda percebida.
Exemplo 3 na Gestão de Riscos: A equipe de segurança cibernética identifica um software obsoleto que está em uso em vários computadores da empresa. Embora saibam que atualizar para uma versão mais recente seja mais seguro, também sabem que a atualização interromperia o trabalho e levaria a uma perda temporária de produtividade. Preocupados com essa "perda" imediata, eles decidem adiar a atualização. Isso coloca a empresa em risco, pois os cibercriminosos frequentemente exploram vulnerabilidades em softwares desatualizados.
Estes vieses, identificados e explorados por Kahneman e outros, reforçam a necessidade de processos robustos de avaliação e gestão de riscos, que podem ajudar a contrabalançar essas tendências humanas naturais. Também destaca a importância de diversidade de pensamento e consulta colaborativa na tomada de decisões, pois diferentes perspectivas podem ajudar a identificar e corrigir possíveis vieses.
Livro Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar
Kahneman foi reconhecido por sua influente obra ao receber o Prêmio Nobel de Economia em 2002. Seu livro "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar" se tornou uma leitura essencial, apresentando ao público em geral as complexidades da tomada de decisão e os vieses cognitivos que todos nós enfrentamos. A obra de Kahneman é um tratado profundo sobre a tomada de decisões humanas, fornece insights valiosos para a gestão de riscos e explora o complexo mundo da tomada de decisões humanas. Ele identifica duas formas distintas, mas interconectadas, de pensamento: o Sistema 1, que é rápido, intuitivo e emocional, e o Sistema 2, que é mais lento, deliberativo e lógico.
Implicações para a gestão de riscos: A consciência desses dois sistemas e de suas forças e fraquezas pode ajudar os gestores a tomar decisões mais informadas. Em situações de risco elevado, por exemplo, é aconselhável ativar deliberadamente o Sistema 2, exigindo um pensamento mais lento e crítico. Por outro lado, em situações de baixo risco, confiar na intuição do Sistema 1 pode ser suficiente.
Kahneman também destaca a importância da experiência e expertise. Profissionais experientes muitas vezes desenvolvem intuições precisas que são produtos de seu Sistema 1, mas temperados por anos de prática e feedback.
O entendimento de que temos dois sistemas de pensamento e que ambos têm suas forças e fraquezas oferece uma ferramenta poderosa para a gestão de riscos. Os gestores podem se beneficiar enormemente ao equilibrar as respostas rápidas e intuitivas com a deliberação ponderada, dependendo da complexidade e gravidade do risco em questão.
O livro aborda uma série de ideias relacionadas à forma como percebemos e avaliamos riscos, bem como as emoções e intuições que influenciam nossas decisões sobre riscos. Segue algumas informações e insights importantes para termos em mente durante o processo de gestão de riscos:
Em resumo, para a gestão eficaz de riscos, é crucial estar ciente das várias heurísticas e vieses que podem influenciar nossa percepção e decisão. Reconhecer que a disponibilidade, a cobertura da mídia e as emoções podem distorcer nossa avaliação dos riscos pode nos ajudar a tomar decisões mais informadas e equilibradas.
No complexo mundo da tomada de decisões, as contribuições de Daniel Kahneman lançam luz sobre as nuances do entendimento humano acerca do risco. Este psicólogo renomado, laureado com o Prêmio Nobel, profundamente explorou os mistérios de nossos processos cognitivos, desvendando como avaliamos e reagimos às ameaças e incertezas que nos cercam. Ao abordar o conceito de risco através das lentes de Kahneman, somos compelidos a reconhecer a interação complexa entre nossa intuição, racionalidade e as influências externas que moldam nossa percepção.
Em resumo, Kahneman nos fornece uma lente através da qual podemos entender melhor a complexa tapeçaria da percepção humana de risco. Em um mundo repleto de incertezas, é crucial reconhecer os processos cognitivos que moldam nossas avaliações e decisões. A ideia de risco, conforme elucidada por Kahneman, nos lembra da interação inextricável entre cognição, emoção e poder na construção e interpretação do que consideramos arriscado.
Confiança excessiva faz com se negligencie medidas de segurança complementares.
Caso exemplo 15: Implementação de protocolos de segurança na empresa SafeGuard
Contexto: A SafeGuard é uma empresa líder no setor de segurança residencial e comercial. Com uma vasta clientela que depende de seus sistemas para proteção, a empresa precisa garantir que suas soluções sejam impecáveis, inovadoras e à prova de falhas.
Problema: Nos últimos anos, a SafeGuard percebeu um aumento no número de violações de segurança. Após uma análise, descobriu-se que a equipe tendia a superestimar a eficácia dos sistemas existentes, guiada pelo otimismo excessivo e confiando demais nas soluções tradicionais. Além disso, havia uma aversão à implementação de novas tecnologias, por medo de possíveis falhas iniciais.
Solução: Baseando-se nas ideias de Kahneman sobre a falácia do planejamento e a aversão à perda, a liderança da SafeGuard decidiu reestruturar sua abordagem à inovação e avaliação de riscos.
Eles introduziram uma abordagem de "visão de fora", onde, em vez de apenas confiar em suas experiências passadas, começaram a analisar tendências de segurança e violações em setores e empresas semelhantes. Isso ofereceu uma visão mais objetiva e realista da eficácia de seus sistemas.
Adicionalmente, desenvolveram políticas de risco bem definidas, permitindo uma maior experimentação com novas tecnologias e abordagens, mas com salvaguardas claras e protocolos de revisão.
Resultado: Com uma abordagem mais equilibrada e fundamentada, a SafeGuard conseguiu reduzir as violações de segurança em 70% no ano seguinte. A implementação de novas tecnologias, guiada por uma análise objetiva e abrangente, permitiu à empresa estar na vanguarda da inovação em segurança.
Os clientes da SafeGuard, notando as melhorias e a proatividade da empresa, demonstraram maior confiança nos serviços oferecidos. A empresa também experimentou um crescimento em novos contratos, solidificando sua posição como líder no setor.
Este exemplo fictício destaca como as teorias de Kahneman sobre tomada de decisão e gestão de riscos podem ser aplicadas em um contexto de segurança, conduzindo a melhores resultados operacionais e maior confiança do cliente.
2.4. Amos Tversky (1937-1996)
Amos Tversky, em colaboração com Daniel Kahneman, estabeleceu os pilares da economia comportamental ao explorar a tomada de decisões em cenários incertos. Ele identificou vieses cognitivos, como o viés da representatividade e da disponibilidade, mostrando que humanos frequentemente recorrem a atalhos mentais, ou heurísticas, resultando em avaliações imprecisas. A Teoria da Perspectiva, uma de suas principais contribuições, postula que avaliamos ganhos e perdas com base em um ponto de referência. Embora discutamos extensivamente sobre Kahneman, o trabalho de Tversky é intrinsecamente ligado a ele. Focaremos em nuances não cobertas anteriormente.
Analisaremos a seguir o estudo Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk, desenvolvida por Daniel Kahneman e Amos Tversky, em oposição à teoria mais tradicional da "utilidade esperada". Focaremos em informações que podem ser relevantes para a gestão de riscos.
Exemplo da Teoria da Utilidade Esperada
Teoria da Utilidade Esperada: Esta teoria tem sido amplamente aceita tanto como um modelo normativo de escolha racional quanto como um modelo descritivo do comportamento econômico. Ela se baseia em três princípios: 1. Expectativa; 2. Integração de Ativos; e 3. Aversão ao Risco.
A Teoria da Utilidade Esperada é fundamental na tomada de decisões sob incerteza. A ideia básica é que os indivíduos não apenas avaliam os resultados possíveis de uma decisão com base em seus valores, mas também consideram a probabilidade de cada resultado acontecer.
Exemplo: Imagine que você está considerando jogar um jogo de azar. Há duas opções:
- Opção A: Você recebe R$50 garantidos, sem ter que apostar.
- Opção B: Joga-se uma moeda, e se der cara, você ganha R$100, mas se der coroa, você não ganha nada.
Se estivermos considerando apenas o valor potencial, a Opção B parece mais atrativa porque você pode ganhar R$100. No entanto, com a Teoria da Utilidade Esperada, consideramos tanto o valor dos resultados quanto a probabilidade de cada resultado ocorrer.
- Opção A: Utilidade esperada = R$50 (porque é garantido).
- Opção B: Utilidade esperada = (0,5 x R$100) + (0,5 x R$0) = R$50.
Ambas as opções têm a mesma utilidade esperada de R$50. Porém, dependendo da aversão ao risco do indivíduo, ele pode escolher a opção A para evitar a incerteza, mesmo que a utilidade esperada de ambas as opções seja a mesma.
A Teoria da Utilidade Esperada sugere que, quando confrontados com decisões sob incerteza, os indivíduos avaliam as opções com base na combinação de utilidades potenciais e suas respectivas probabilidades. No entanto, como Tversky e Kahneman mostraram com sua Teoria da Perspectiva, a tomada de decisão real muitas vezes se desvia dessa abordagem idealizada, principalmente devido a vieses cognitivos e avaliações subjetivas de ganhos e perdas.
Violação dos axiomas da Teoria da Utilidade Esperada
Kahneman e Tversky identificaram situações em que as decisões tomadas pelas pessoas não seguem os axiomas da teoria da utilidade esperada, sugerindo que essa teoria não é um modelo descritivo adequado para tais situações.
A Teoria da Utilidade Esperada, desenvolvida em seu formato básico, faz várias premissas sobre como as pessoas tomam decisões sob incerteza. No entanto, na prática, as pessoas frequentemente violam essas premissas.
Exemplo - Imagine as seguintes situações:
Situação 1: Você tem a opção de escolher entre:
a) Uma garantia de ganhar R$3.000
b) Uma probabilidade de 80% de ganhar R$4.000 (e 20% de ganhar R$0).
Muitas pessoas escolheriam a opção (a) para garantir o ganho.
Situação 2: Agora, você tem a opção de escolher entre:
c) Uma garantia de perder R$3.000
d) Uma probabilidade de 80% de perder R$4.000 (e 20% de chance de não perder nada).
Nesta situação, muitas pessoas escolheriam a opção (d), tentando evitar a perda garantida e optando pelo risco de perder mais, mas com uma chance de não perder nada.
No entanto, a Teoria da Utilidade Esperada sugere que se uma pessoa prefere (a) sobre (b) na Situação 1, ela também deveria preferir (c) sobre (d) na Situação 2. A mudança de preferência demonstra a aversão à perda, onde as perdas são mais pesadas do que ganhos equivalentes, uma descoberta central da Teoria da Perspectiva de Kahneman e Tversky.
Este exemplo destaca uma violação do axioma da independência, um dos axiomas fundamentais da Teoria da Utilidade Esperada, que afirma que se um indivíduo prefere uma opção a outra, então ele também deve preferir essa opção quando combinada com qualquer outra opção probabilística. A resposta de muitas pessoas a esses cenários sugere que suas decisões são influenciadas por fatores não capturados pela Teoria da Utilidade Esperada, como a aversão à perda.
Método de Escolhas Hipotéticas
Os autores optaram por esse método para investigar a decisão das pessoas, apesar de reconhecerem suas limitações, pois métodos alternativos também apresentavam desafios significativos.
Aqui está um exemplo que destaca o Método de Escolhas Hipotéticas, relacionado à gestão de riscos:
Contexto: Imagine que você é um gestor de riscos em uma grande empresa e está considerando duas estratégias diferentes de seguro para proteger a empresa contra danos causados por desastres naturais, como terremotos ou inundações. O seguro é caro, e os desastres, embora devastadores, são raros. Exemplo:
Situação 1: Você apresenta aos membros do conselho duas opções hipotéticas:
a) Pagar R$1 milhão por ano por um seguro que cobre totalmente todos os danos em caso de desastre.
b) Pagar R$500.000 por ano por um seguro que cobre apenas 50% dos danos.
Você pede aos membros do conselho que imaginem que um desastre ocorreu e, com base nesse cenário hipotético, decidam qual seguro teria sido o melhor.
Situação 2: Sem revelar o custo, você descreve a cada membro do conselho um cenário hipotético onde a empresa não tinha seguro, e um desastre ocorreu, resultando em perdas de R$50 milhões. Após isso, você revela as opções de seguro e seus custos, e pergunta qual opção eles teriam escolhido.
Esse método, apesar de suas limitações, como a falta de realismo e a possibilidade de as pessoas não considerarem todos os fatores como o fariam em uma situação real, oferece insights valiosos. Ele permite entender a disposição das pessoas em aceitar riscos e o peso que dão às consequências potenciais. Em gestão de riscos, isso pode revelar o grau de aversão ao risco da equipe de decisão e ajudar a empresa a escolher uma estratégia de seguro que reflita essa disposição.
Efeito de Certeza
É um fenômeno em que a certeza de um ganho ou perda tem um impacto significativo na decisão de uma pessoa, muitas vezes de forma irracional quando avaliada pela teoria da utilidade esperada. O exemplo clássico é a escolha entre uma chance de 50% de ganhar R$ 1.000 e uma certeza de ganhar R$ 450. Vamos aplicar o Efeito de Certeza no contexto da gestão de riscos:
Contexto: Imagine que você é o CFO de uma empresa de construção. A empresa está considerando se deve prosseguir com um grande projeto de construção que poderia trazer lucros significativos, mas também carrega riscos associados.
Situação 1: Uma consultoria especializada analisa o projeto e fornece dois cenários:
a) Um risco de 50% de que o projeto traga um lucro de R$ 10 milhões.
b) Uma garantia de que, com algumas modificações no projeto e uma abordagem mais conservadora, o lucro será de R$ 4,5 milhões, sem riscos.
Apesar do potencial de lucro mais alto no primeiro cenário, muitos tomadores de decisão, influenciados pelo Efeito de Certeza, podem optar pelo segundo cenário. A garantia de um lucro certo, embora menor, é vista como mais atraente do que a possibilidade de um lucro mais elevado, mas incerto.
Situação 2: A mesma empresa de construção tem um contrato que garante um pagamento fixo de R$ 4,5 milhões após a conclusão do projeto. No entanto, eles são abordados por um investidor que oferece um investimento que tem 50% de chance de dobrar esse valor para R$ 9 milhões, mas também uma chance de 50% de reduzir o valor do contrato para R$ 5 milhões.
Novamente, mesmo com o potencial de ganhar mais, muitos tomadores de decisão podem hesitar em aceitar a oferta do investidor devido ao Efeito de Certeza, preferindo o pagamento fixo garantido.
Ambos os exemplos ilustram a ideia de que a certeza pode ter um peso desproporcional na tomada de decisões, mesmo quando, teoricamente, uma opção de maior risco pode ter uma utilidade esperada mais favorável. Em gestão de riscos, é crucial reconhecer e entender esses tipos de vieses cognitivos para fazer escolhas informadas.
Efeito Reflexão
Quando as opções de ganho são transformadas em opções de perda, as preferências das pessoas muitas vezes se invertem. Isso sugere que as pessoas têm aversão ao risco quando se trata de ganhos, mas buscam risco quando se trata de evitar perdas. A seguir está um exemplo relacionado à gestão de riscos que ilustra o Efeito Reflexão.
Contexto: Imagine que você é um gestor de fundos e tem duas estratégias de investimento à sua disposição para um investidor.
Situação 1 (Opções de Ganho): O investidor tem R$ 100.000 para investir.
a) Uma estratégia de investimento garantirá um retorno de R$ 5.000 ao final de um ano.
b) Uma segunda estratégia de investimento tem 50% de chance de dar um retorno de R$ 10.000 e 50% de chance de não dar retorno algum.
Neste cenário, muitos investidores, sendo avessos ao risco em relação a ganhos, podem optar pela primeira estratégia, escolhendo o retorno garantido em vez da oportunidade de obter um retorno maior com um risco associado.
Situação 2 (Opções de Perda): O mesmo investidor está enfrentando uma perda em seu portfólio de R$ 100.000.
a) Uma estratégia garantirá uma perda de R$ 5.000 ao final de um ano.
b) Uma segunda estratégia tem 50% de chance de não ter perda alguma e 50% de chance de resultar em uma perda de R$ 10.000.
Neste cenário, muitos investidores, ao tentar evitar perdas, podem ser atraídos pela segunda estratégia, preferindo correr o risco de uma perda maior na esperança de evitar qualquer perda.
O Efeito Reflexão destaca uma característica interessante e muitas vezes contraintuitiva da psicologia humana. Mesmo quando as quantidades de dinheiro em jogo são as mesmas, a possibilidade de ganho ou perda pode influenciar de maneira oposta as decisões das pessoas. Em gestão de riscos, esse entendimento é vital para orientar estratégias e entender a psicologia dos investidores.
Operação de Cancelamento:
Esta operação se aplica quando várias alternativas são comparadas. Se todas as alternativas compartilharem um mesmo componente, esse componente pode ser cancelado e não influenciar a decisão. Por exemplo, quando avaliamos a opção entre a perspectiva (200, 0,25; 100, 0,25) e a perspectiva (100, 0,50), o componente de ganhar 100 com uma probabilidade de 0,25 em ambas as perspectivas pode ser ignorado. A seguir um exemplo relacionado à gestão de riscos que demonstra a operação de Cancelamento.
Contexto: Imagine que você é um gestor de investimentos e está avaliando duas opções de investimento diferentes para um cliente.
Opção A:
25% de chance de obter um retorno de R$ 200.
25% de chance de obter um retorno de R$ 100.
Opção B:
50% de chance de obter um retorno de R$ 100.
Ambas as opções A e B possuem um componente comum: uma chance de 25% de obter um retorno de R$ 100. Portanto, ao avaliar essas duas opções e tentar determinar qual é a melhor escolha, podemos "cancelar" esse componente comum. Isso significa que podemos ignorar a probabilidade de 25% de ganhar R$ 100, pois ela está presente em ambas as opções.
Ao fazer isso, a decisão é simplificada para:
Opção A: 25% de chance de obter um retorno de R$ 200.
Opção B: 25% de chance adicional (totalizando 50%) de obter um retorno de R$ 100.
Agora, a decisão torna-se uma avaliação entre a preferência por um risco maior de ganhar um retorno mais alto (Opção A) ou um risco menor com um retorno mais garantido, mas menor (Opção B).
Este exemplo mostra como a operação de cancelamento pode ser útil na gestão de riscos ao simplificar decisões, focando nos aspectos distintos de cada opção e eliminando componentes comuns. Isso permite que os gestores de investimentos tomem decisões mais claras e fundamentadas.
Implicações dessas teorias para a Gestão de Riscos:
As ideias apresentadas no livro sobre Teoria da Perspectiva têm implicações profundas para a gestão de riscos e podem fornecer um quadro útil para compreender e abordar o comportamento humano em situações de risco. A teoria da perspectiva, portanto, oferece uma explicação mais flexível e adaptável para o comportamento humano em decisões sob risco, destacando os papéis do enquadramento e das avaliações relativas de ganhos e perdas em relação a um ponto de referência.
A aceitação desta teoria implica que o comportamento humano não segue estritamente a teoria da utilidade esperada. Enquanto a teoria da utilidade esperada sugere que as decisões são baseadas em uma avaliação objetiva dos resultados e probabilidades, a teoria da perspectiva sugere que o enquadramento, os pontos de referência e as percepções subjetivas desempenham um papel crucial na tomada de decisões.
Ao contrário da teoria tradicional da utilidade, a Teoria da Perspectiva postula que os indivíduos avaliam mudanças na riqueza ou bem-estar, em vez de estados absolutos. Em outras palavras, o que é mais importante não é o estado final, mas a diferença entre o estado inicial e final. Esse entendimento está em sintonia com como percebemos estímulos em muitos domínios sensoriais, onde o contexto e a mudança relativa são mais perceptíveis do que magnitudes absolutas.
Referência:
2.5. Ulrich Beck (1944-2015)
Ulrich Beck, renomado sociólogo alemão, introduziu a teoria da Sociedade de Risco na década de 1980, argumentando que a sociedade moderna é marcada pela produção e gestão de riscos, substituindo as ameaças tradicionais por riscos invisíveis e transfronteiriços, como desastres ambientais e crises financeiras. Na visão de Beck, essa era de riscos modernos, amplificados pela mídia e tecnologia, exige uma gestão de riscos democrática, onde a responsabilidade é coletiva, envolvendo tanto especialistas quanto o público geral.
No contexto de um estudo focado na gestão de riscos, há vários pontos relevantes a serem destacados dos pensamentos de Beck:
A obra e as teorias de Ulrich Beck oferecem uma série de insights valiosos para qualquer estudo ou discussão sobre gestão de riscos na era moderna. Seu foco na interconexão global, os riscos intrínsecos à modernidade e a necessidade de uma abordagem reflexiva e adaptável tornam seu trabalho especialmente relevante para este campo.
Ulrich Beck, com sua notável publicação "Sociedade do Risco", estabeleceu um marco intelectual para uma formação teórica produtiva e pertinente até hoje. Eva Illouz descreveu a obra como "brilhante", observando que ela nem acusava nem defendia o capitalismo, mas avaliava suas consequências e examinava como o capitalismo reestruturou instituições, confrontando-as com destruições autoimpostas e mapeando-as em uma nova contabilidade que inclui riscos associados à exploração dos recursos naturais e às inovações técnicas.
Beck gerou discussão ao postular na "sociedade de risco" que as classes sociais perdem importância diante da produção social de riscos. Ele usou o adágio de que "a necessidade é hierárquica, a poluição é democrática". Beck argumentou que, embora as desigualdades de classe nas sociedades contemporâneas continuem e muitas vezes cresçam, na era globalizada do início do século XXI, isso pode ter um significado diferente, levando a radicalizações nas desigualdades sociais. Ele defendeu que a ideia tradicional de classe oferece uma visão demasiado simplista das desigualdades profundas da era moderna. Zygmunt Bauman, citado por Beck, salientou que a pobreza moderna é distintamente terrível porque os pobres não são mais considerados necessários, contrastando com as visões marxistas do proletariado que os veem como úteis no processo de trabalho.
Beck foi criticado por ter uma visão demasiado indiferente e catastrófica do risco, base para sua crítica ao conceito de classe. Em contrapartida, alguns sugerem que devemos incorporar a distribuição social dos riscos nas categorias de classe para desenvolver uma nova teoria crítica das classes na sociedade de risco, destacando a conexão entre pobreza, vulnerabilidade social e acumulação de risco.
No mesmo ano em que Beck publicou "Sociedade do Risco", ocorreu o desastre nuclear de Chernobyl, ao qual ele fez referência, argumentando que os perigos modernos, como a poluição nuclear, são a antítese do progresso da sociedade industrial do século XIX. Os perigos modernos, diferentemente das catástrofes do passado, são causados pelas ações humanas, e não por forças da natureza ou divindades. Beck também fez uma distinção entre risco e desastre, argumentando que o risco antecipa desastres futuros, que, por sua vez, orientam esforços de prevenção. Ele previu que os riscos globais modernos, como os desastres nucleares, desafiam as fundações das sociedades modernas, sendo caracterizados por suas incertezas, incontrolabilidades e ignorâncias.
A "Sociedade de Risco" de Beck foi reconhecida pela International Sociological Association (ISA) como uma das 20 obras sociológicas mais significativas do século. Ele expandiu seus argumentos para abordar a modernidade reflexiva, sugerindo que a sociedade industrial é confrontada pelas consequências de sua própria modernização. A modernização reflexiva, segundo Beck, também leva a formas de individualização da desigualdade social.
Para além da sociologia, Beck argumentou que não devemos nos limitar a abordagens e teorias de pesquisa convencionais. Nos estudos históricos, por exemplo, ele defendia a pesquisa da mudança histórica à luz de aspectos teóricos sociológicos apropriados. Ele acreditava que a história deveria levar em conta os efeitos colaterais não intencionais.
Armin Nassehi reconheceu o trabalho de Beck por sua habilidade em conectar termos e problemas ao mundo político, dando ao público as ferramentas para compreender o mundo em rápida mudança. Tal como Jürgen Habermas, Beck buscava renovar a tradição da teoria crítica, embora cada um tenha abordado o desafio de maneiras diferentes. Ambos buscavam engajar um público intelectual que poderia combinar a comunicação política com uma visão científica.
No mesmo ano em que Beck publicou "Sociedade do Risco", ocorreu o desastre nuclear de
Caso exemplo 16: Aplicação do legado de Beck na gestão e riscos em uma fábrica de produtos químicos
Contexto: A "QuimTech," uma empresa de produtos químicos, opera há décadas produzindo solventes e outros produtos para a indústria. Recentemente, a empresa começou a perceber uma crescente preocupação do público em relação aos impactos ambientais e saúde humana causados por seus produtos. Essas preocupações têm origem nos frequentes debates públicos sobre o "risco" e a forma como a sociedade percebe e lida com ele, uma temática central na teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck.
Problema: Embora a QuimTech tenha sempre seguido os padrões regulamentares, o aumento da conscientização pública sobre questões de risco fez com que seus clientes, especialmente empresas com práticas de responsabilidade social corporativa robustas, começassem a exigir informações mais transparentes sobre os riscos associados aos produtos da QuimTech. Isso se tornou um problema, pois impactava diretamente a reputação da empresa e, consequentemente, suas vendas.
Solução: Inspirados pelo trabalho de Beck, a liderança da QuimTech decidiu:
Resultado: Após implementar essas mudanças, a QuimTech experimentou uma série de benefícios:
Este exemplo ilustra como as ideias de Beck sobre a sociedade de risco podem ser aplicadas no mundo corporativo para melhorar a gestão de riscos, reputação e desempenho financeiro.
2.6. John Allen Paulos (1945)
John Allen Paulos, nascido em 4 de julho de 1945, é um renomado professor de matemática na Temple University e um influente escritor e palestrante sobre alfabetização matemática. Além da sua sólida formação acadêmica, ele é reconhecido internacionalmente por seu crítico olhar sobre a inumeracia, destacada em seu best-seller Innumeracy: Mathematical Illiteracy and its Consequences (1988), onde examina os equívocos comuns do público em relação aos números e incentiva uma visão quantitativa do mundo. Além de sua carreira acadêmica, Paulos também escreveu colunas matemáticas para o The Guardian, educou jornalistas em alfabetização quantitativa na Columbia University e foi premiado por sua habilidade excepcional em comunicar conceitos matemáticos ao público em geral.
Além disso, Paulos não se limita a uma única disciplina; ele frequentemente combina disciplinas díspares, abordando temas como a base matemática e filosófica do humor, aspectos quantitativos da narrativa, e a bolsa de valores. Esta amplitude é evidente em suas publicações, como "A Mathematician Reads the Newspaper" (1995) e "A Mathematician Plays the Stock Market" (2003). Conheça a bibliografia de Paulos clicando aqui.
Ideias importantes para a gestão de riscos retiradas das publicações de Paulos:
A inumeracia, como Paulos aponta em seu livro, é uma lacuna perigosa em nossa educação e percepção. Em uma sociedade cada vez mais orientada por dados, a capacidade de entender e interpretar números é crucial. Sem ela, estamos sujeitos a tomar decisões mal-informadas com base em mal-entendidos, equívocos ou simplesmente medos irracionais. Em um mundo complexo, onde as decisões baseadas em risco são cotidianas, a inumeracia não é apenas uma falha pessoal, mas uma ameaça à tomada de decisões racionais e informadas.
Falácias da Lógica em Decisões - A matemática não é apenas sobre números; é sobre lógica, raciocínio e compreensão. John Allen Paulos enfatiza que as falácias lógicas, combinadas com a inumeracia, podem gravemente comprometer nossa capacidade de tomar decisões corretas, especialmente em cenários de risco. Aqui estão algumas das falácias lógicas comuns e como elas podem impactar a tomada de decisões:
Paulos argumenta que tais falácias, amplificadas pela inumeracia, podem levar a erros graves em avaliações de risco. Por exemplo, uma má compreensão das probabilidades pode fazer com que as pessoas superestimem os riscos de eventos raros (como acidentes de avião) enquanto subestimam riscos de eventos mais comuns (como acidentes de carro).
O poder de um pensamento lógico e matemático robusto é que ele oferece uma base sólida para avaliar informações, entender relações de causa e efeito e tomar decisões informadas, especialmente em contextos em que o risco está envolvido. Em um mundo onde somos constantemente bombardeados com informações, a capacidade de discernir e decidir corretamente nunca foi tão crucial.
Percepção distorcida de risco - Em um mundo amplamente dominado pela mídia e por histórias emocionais, nossa percepção de risco muitas vezes se desvia da realidade estatística. John Allen Paulos habilmente ilustra como a inumeracia desempenha um papel crucial nessa distorção. Vamos explorar essa ideia com exemplos práticos.
Paulos destaca que, sem uma compreensão numérica adequada, somos facilmente influenciados por percepções distorcidas de risco. A chave para tomar decisões mais informadas não é apenas compreender os números, mas também reconhecer e ajustar as percepções influenciadas por fatores psicológicos e de mídia. Em uma era de informação sobrecarregada, a capacidade de avaliar riscos de maneira objetiva e informada é essencial para a tomada de decisões pessoais e políticas sábias.
Relevância na era digital - A explosão digital e a era da informação trouxeram consigo um mar de dados e informações que impactam praticamente todos os aspectos de nossas vidas. No entanto, a capacidade de navegar por esse mar requer mais do que simplesmente ter acesso a ele; requer a habilidade de interpretar, avaliar e tomar decisões informadas com base nesses dados. John Allen Paulos sublinhou a crescente importância da educação matemática neste contexto. Vamos entender isso mais detalhadamente com exemplos práticos:
Paulos argumenta que, na era digital, ser "analfabeto" em matemática não é mais uma opção. O mundo moderno, com sua dependência de dados e algoritmos, exige uma população que possa avaliar criticamente as informações que recebe, identificar tendências genuínas e discernir o significado real por trás dos números. Uma compreensão robusta da matemática é mais do que uma habilidade acadêmica; é uma necessidade para a cidadania informada e a tomada de decisões responsável em uma sociedade interconectada.
Muitos aspectos de nossas vidas digitais são governados por algoritmos, desde as notícias que lemos até os produtos que nos são recomendados para compra.
Caso exemplo 17: Gestão de riscos na era da big data - Caso segurança de dados urbanos
Contexto: Em uma cidade com ambições de se tornar uma metrópole inteligente, uma série de sensores e câmeras foram instalados para coletar dados sobre tráfego, poluição, consumo de energia e comportamento do cidadão. Esses dados seriam analisados e usados para melhorar a qualidade de vida, otimizando serviços públicos. Toda essa informação era armazenada em um vasto centro de dados.
Problema: Uma organização de direitos civis expressou preocupação com a segurança desses dados. Existia o temor de que, caso esses dados caíssem nas mãos erradas, poderiam ser usados de maneira prejudicial, como para vigiar cidadãos ou vender informações para empresas sem escrúpulos. Além disso, havia a questão da inumeracia: muitos cidadãos não compreendiam a escala e importância dos dados coletados, e consequentemente, os riscos associados.
Solução: Inspirados pelos ensinamentos de John Allen Paulos, os responsáveis pelo projeto decidiram criar uma série de programas de educação pública sobre big data, segurança e alfabetização matemática. Estes programas foram projetados para mostrar, de maneira prática e acessível, como os dados eram coletados, armazenados, analisados e, acima de tudo, protegidos.
Paulos sempre enfatizou a importância de compreender os números e a estatística. Usando essa abordagem, os workshops mostravam aos cidadãos exemplos concretos de como a inumeracia poderia distorcer a percepção dos riscos. Por exemplo, ao comparar a probabilidade de um grande vazamento de dados com riscos mais comuns, como acidentes de trânsito.
Além da educação, o projeto também implementou medidas robustas de segurança cibernética, garantindo que os dados estivessem protegidos contra possíveis ataques. Uma equipe de especialistas foi contratada para simular ataques ao sistema, testando sua resistência e identificando potenciais vulnerabilidades.
Resultado: Com o esforço combinado de educação e segurança aprimorada, a confiança dos cidadãos no projeto da cidade inteligente cresceu. Eles passaram a ter uma compreensão mais clara dos benefícios e riscos associados à coleta e análise de big data.
Os workshops e sessões de treinamento ajudaram a dissipar medos e mal-entendidos. Além disso, o fortalecimento da segurança cibernética garantiu que os dados permanecessem seguros, e a cidade pôde prosseguir com sua iniciativa de metrópole inteligente, tendo a confiança e o apoio de seus cidadãos.
Neste exemplo, vemos a fusão de big data e segurança, ilustrando como uma abordagem inspirada por Paulos pode ser crucial para abordar preocupações e riscos em um mundo cada vez mais orientado a dados.
John Allen Paulos emergiu como uma figura seminal na moderna compreensão da matemática e sua relação com a tomada de decisões e percepções de risco. Em uma era saturada de informações, a claridade que ele trouxe sobre os perigos da inumeracia é mais relevante do que nunca. Através de suas obras e insights, Paulos não apenas destacou a importância da educação matemática para o indivíduo, mas também para a sociedade em geral, especialmente no contexto da era digital e da big data. Seu legado nos convida a refletir criticamente sobre as informações que consumimos e a desenvolver uma compreensão matemática sólida para navegar com confiança em um mundo complexo e orientado por dados.
2.7. Nassim Nicholas Taleb (1960)
Nassim Nicholas Taleb, nascido em 1960 no Líbano, é um destacado teórico sobre incertezas e riscos, particularmente em relação a "cisnes negros", eventos surpreendentes de grande impacto. Com experiências moldadas pela Guerra Civil Libanesa e uma carreira que inclui investimentos bem-sucedidos em eventos imprevistos e atuações em bancos globais renomados, Taleb advoga que prospera quem abraça o caos ao invés de evitá-lo. Atualmente, ele é professor emérito de engenharia de risco na Universidade de Nova York e enfatiza a importância de ter "pele em jogo" ao tomar decisões significativas.
A seguir, um breve resumo das informações mais relevantes sobre Taleb:
Agora vamos explorar suas principais contribuições para a gestão de riscos através de seus livros, conceitos e filosofia.
Cisne Negro
A ideia do "Cisne Negro" é uma das contribuições mais notáveis de Nassim Nicholas Taleb à gestão de riscos e à forma como pensamos sobre eventos imprevisíveis. O termo remonta à antiga crença de que todos os cisnes eram brancos, pois ninguém no Ocidente havia visto um cisne negro. Isso foi até os exploradores chegarem à Austrália no século XVII e se depararem com cisnes que, de fato, eram negros. O evento desafiou as suposições existentes e redefiniu o conhecido.
Taleb usou esse fenômeno como uma metáfora para descrever certos tipos de eventos:
Improbabilidade: Os Cisnes Negros são eventos que estão fora das expectativas normais e são extremamente difíceis de prever.
Impacto extremo: O "impacto extremo" é outro pilar fundamental da teoria do Cisne Negro de Nassim Taleb. Quando ocorrem, têm um efeito maciço e transformador, frequentemente alterando a paisagem de uma indústria, economia ou sociedade como um todo. Vamos detalhar um pouco mais esse conceito:
Em suma, o "impacto extremo" de um Cisne Negro não se refere apenas à magnitude imediata do evento, mas também às amplas e profundas ramificações que ele pode ter em diversos sistemas, sejam eles econômicos, sociais, tecnológicos ou políticos. Esses eventos desafiam nossa compreensão, preparação e capacidade de resposta, forçando uma reavaliação de muitas das suposições fundamentais que sustentam nossas atividades e crenças diárias.
Explicabilidade retrospectiva e viés retrospectivo: Após sua ocorrência, as pessoas tentam racionalizar o evento e explicá-lo como se fosse previsível. A "explicabilidade retrospectiva" é um conceito intrigante, pois destaca a tendência humana de olhar para trás e tentar construir uma narrativa lógica para eventos imprevistos. Vamos nos aprofundar:
A explicabilidade retrospectiva, combinada com o viés retrospectivo, revela muito sobre a psicologia humana e a maneira como lidamos com surpresas e incertezas. Em vez de aceitar a verdadeira natureza imprevisível de certos eventos, há um impulso de criar uma história ordenada e compreensível, muitas vezes à custa da verdadeira compreensão.
The Black Swan
Antifragilidade
Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos é um dos livros mais influentes de Nassim Nicholas Taleb e introduz o conceito de antifragilidade, um termo que ele cunhou para descrever sistemas que melhoram com choques, volatilidade e incerteza, ao contrário de simplesmente resistir a eles. Vamos examinar este conceito mais de perto:
Em suma, a antifragilidade de Taleb desafia muitos paradigmas convencionais em finanças, economia, gestão de riscos e outras áreas. Ele defende uma mudança na maneira como percebemos e nos engajamos com o mundo incerto e imprevisível ao nosso redor, argumentando que podemos não apenas sobreviver, mas prosperar no caos.
Problemas com a predição
Nassim Nicholas Taleb tem sido uma voz crítica contundente sobre como a sociedade, especialmente o setor financeiro, confia excessivamente em modelos de previsão. Ele acredita que muitos dos modelos usados para prever eventos futuros são inerentemente falhos e podem levar a grandes erros de julgamento. Aqui está uma análise mais profunda desta perspectiva:
Taleb enfatiza a necessidade de humildade epistêmica - reconhecendo os limites do nosso conhecimento e a incerteza inerente ao mundo. Ele sugere que, em vez de confiar cegamente em modelos e previsões, as organizações e indivíduos devem se preparar para o imprevisível e aceitar que não podemos prever tudo.
Ética e Risco
O conceito de "pele no jogo", popularizado por Nassim Nicholas Taleb, destaca a importância da responsabilidade e da ética nas decisões, especialmente aquelas que envolvem riscos. A ideia é que quando os tomadores de decisão têm uma participação pessoal nos resultados de suas ações, eles são mais propensos a tomar decisões éticas e bem-informadas. Vamos explorar mais profundamente esta perspectiva:
Em conclusão, a visão de Taleb sobre ética e risco destaca a necessidade de alinhar incentivos e responsabilidades para garantir que os riscos sejam tomados de maneira responsável e ética. Ele sugere que isso pode ser alcançado garantindo que os tomadores de decisão tenham uma participação pessoal nos resultados de suas ações.
Em nossa jornada de estudo sobre gestão de riscos e as valiosas contribuições de Nassim Nicholas Taleb, é essencial fazer uma pausa para refletir sobre alguns de seus outros trabalhos que não foram abordados em profundidade, mas que são igualmente importantes. Cada livro de Taleb traz uma perspectiva única e lições cruciais que enriquecem nossa compreensão sobre incerteza, probabilidade e a natureza imprevisível do mundo. A seguir, faremos uma breve reflexão sobre alguns desses livros que consideramos indispensáveis para uma visão holística de seu pensamento e como ele pode ser aplicado à gestão de riscos.
Mapa genealógico dos temas tratados por Nassim Taleb.
O vasto conjunto de trabalhos de Nassim Nicholas Taleb fornece uma perspectiva distinta e muitas vezes contraintuitiva sobre o entendimento e a gestão de riscos. Sua caracterização de "cisnes negros" e o conceito de "antifragilidade" são contribuições paradigmáticas que desafiam noções tradicionais de previsibilidade e robustez. Seus argumentos são ancorados em uma profunda crítica às abordagens platônicas da realidade, especialmente aquelas que tendem a simplificar e categorizar o mundo de maneira ordenada e previsível.
Para Taleb, a realidade é inerentemente incerta e, por isso, sistemas, sejam eles biológicos, econômicos ou outros, devem ser projetados para se beneficiar da volatilidade, em vez de meramente resistir a ela. Ele argumenta fervorosamente contra os modelos de previsão simplistas que muitas vezes são adotados na gestão de riscos e nas finanças, pois eles não apenas falham em considerar eventos raros e impactantes, mas também podem conduzir a decisões desastrosas.
A "estratégia barbell" proposta por Taleb encapsula sua abordagem à gestão de riscos: ser simultaneamente hiperconservador e hiperagressivo, reconhecendo a impossibilidade de verdadeiramente computar riscos com precisão. Seu desafio contínuo à academia e às teorias econômicas dominantes destaca a necessidade de um pensamento mais adaptável e resiliente na gestão de riscos.
A crítica de Taleb à simplificação excessiva, ao Platonismo na ciência e sua ênfase na "tinkering" (manipulação experimental) ressaltam a importância da prática e da experiência direta, em vez de confiar cegamente em teorias e modelos.
Em essência, Taleb exige um reconhecimento profundo da complexidade, imprevisibilidade e incerteza inerentes ao mundo. Para aqueles envolvidos na gestão de riscos, seu trabalho é um lembrete contínuo de que a verdadeira robustez não vem de evitar o risco, mas de entender, abraçar e, quando possível, se beneficiar dele.
Caso exemplo 18: Gestão de desastres naturais e a influência do pensamento de Taleb
Contexto: O planejamento urbano de uma grande cidade costeira no século 21, exposta não apenas às ameaças típicas do desenvolvimento urbano, mas também a desastres naturais como furacões, enchentes e terremotos. Nos anos anteriores, as estratégias adotadas se concentravam principalmente em tentar prever e evitar esses desastres, baseando-se em dados históricos.
Problema: A cidade foi atingida por um furacão de magnitude nunca antes registrada, causando danos devastadores à infraestrutura e à economia. Os modelos anteriores não previram essa ocorrência, classificando-a como um "Cisne Negro", um evento altamente improvável e imprevisível com consequências massivas. Os líderes da cidade perceberam que, mesmo com toda a tecnologia e análise de dados, havia limitações claras na previsão e prevenção de desastres de tal magnitude.
Solução: Inspirado pelo trabalho de Taleb, o governo da cidade decidiu adotar uma abordagem de "antifragilidade". Em vez de tentar prever todos os possíveis cenários de desastre, o foco mudou para construir uma cidade que não apenas resistisse, mas também se beneficiasse de choques e estresses.
1. Diversificação de Recursos: Semelhante à estratégia barbell, a cidade investiu em infraestrutura básica robusta, enquanto simultaneamente alocou recursos para inovações e experimentações de alto risco que poderiam trazer soluções revolucionárias.
2. Sistemas Modulares: A cidade começou a projetar seus sistemas de transporte, comunicação e distribuição de energia de maneira modular, para que o colapso de um segmento não levasse à falha de todo o sistema.
3. Engajamento Comunitário: Foram realizados oficinas e treinamentos para preparar a comunidade para desastres, ensinando habilidades básicas de sobrevivência, primeiros socorros e comunicação de emergência.
4. Feedback Constante: A cidade implantou sensores e sistemas de feedback para monitorar constantemente as condições e receber feedback em tempo real durante eventos estressantes, permitindo ajustes rápidos.
Resultado: Quando outro evento adverso ocorreu – uma combinação de terremoto seguido de tsunami – a cidade estava mais bem preparada. Embora houvesse danos, a recuperação foi notavelmente mais rápida. Os sistemas modulares isolaram o impacto, a comunidade estava mais bem preparada para responder e ajudar, e a infraestrutura robusta e diversificada garantiu que serviços essenciais fossem mantidos. Além disso, a cidade conseguiu inovar em várias áreas devido às experimentações de alto risco que tinham sido financiadas anteriormente, incluindo sistemas de alerta precoce e edifícios "flutuantes" que eram resilientes a inundações. A abordagem de antifragilidade permitiu que a cidade não apenas sobrevivesse ao evento, mas também aprendesse e crescesse a partir dele.
3. O futuro da gestão de riscos: Inteligência artificial, computação quântica e a convergência de conhecimentos
Em um mundo em constante evolução, a gestão de riscos enfrenta a necessidade imperativa de se adaptar e evoluir. A combinação da inteligência artificial (IA), da computação quântica e da sabedoria acumulada dos pensadores passados e presentes pode resultar em um cenário de gestão de riscos sem precedentes, cujo potencial é vasto e fascinante.
No futuro da proteção patrimonial, a integração de IA, computação quântica e filosofias de gestão de riscos poderá transformar a segurança de propriedades. Câmeras equipadas com IA detectarão atividades suspeitas em tempo real, enquanto a computação quântica simulará cenários de risco para orientar a resposta das equipes de segurança. Além disso, através de uma abordagem de gestão de risco por empoderamento, residentes e funcionários tornar-se-ão participantes ativos na segurança, utilizando plataformas que os alertam sobre riscos em tempo real, criando um ambiente proativo e adaptável de proteção.
Em suma, à medida que nos movemos para um futuro em que a tecnologia e o pensamento humano se convergem, a gestão de riscos será mais proativa, abrangente e adaptável do que nunca. A combinação dessas ferramentas e conhecimentos poderá garantir que as organizações não apenas enfrentem os riscos, mas os antecipem e os utilizem como oportunidades para inovação e crescimento.
4. Conclusão
Ao chegarmos ao fim da segunda parte deste estudo, é inegável o legado profundo dos visionários da era contemporânea na gestão de riscos. Clique aqui para acessar a primeira parte de nosso estudo, onde mergulhamos nas contribuições dos primeiros pensadores sobre este tema.
Bill Gore, muito mais do que um pioneiro em gestão empresarial, introduziu conceitos revolucionários como o "Princípio da Linha d'Água", enfatizando a importância de uma gestão de riscos por empoderamento. Andrey Kolmogorov solidificou a teoria da probabilidade, enquanto Daniel Kahneman e Amos Tversky iluminaram os vieses cognitivos que podem afetar nossa avaliação de riscos. Ulrich Beck identificou os desafios de nossa era como pertencentes a uma "sociedade de risco". John Allen Paulos, com uma visão incisiva, destacou a grande importância da alfabetização numérica no mundo moderno – uma necessidade que só se intensificará no futuro. Nassim Nicholas Taleb, por sua vez, nos fez refletir sobre os "cisnes negros", os riscos imprevisíveis que podem redefinir o curso de nossa história e a necessidade da antifragilidade.
Os esforços em criar dezenas de exemplos ao longo deste estudo têm como objetivo materializar a teoria desses visionários na prática, tornando os conceitos mais acessíveis e tangíveis para os leitores.
Diante do constante avanço tecnológico e das mudanças em nosso mundo, a gestão de riscos continuará sendo um pilar para tomadas de decisão informadas. A relação inerente entre probabilidade e gestão de riscos é um guia para nosso futuro, instigando-nos a abraçar incertezas, aprender com o passado e se adaptar com vista ao que está por vir.